Por Adriana Passari - @adrianapassari
Pedacinho de céu
Seu Isaquias era um sitiante que tinha um pedacinho de chão numa cidadezinha no meio do sertão, com solo muito seco e banhado pelo sol escaldante diariamente. Viúvo, contava com a ajuda de dois filhos, um homem e uma mulher.
O menino homem ajudava na lida com a terra, buscava água no poço pra regar a plantação e poder tirar dela o sustento da família. A moça ajudava como podia na lida da roça e dos cuidados da casa. Se esmerava na limpeza e também na cozinha onde fazia quase um milagre por dia para alimentar o pai e o irmão. Rigorosamente todo domingo iam à missa por exigência do velho.
Comungavam, rezavam e cumprimentavam os moradores da comunidade. Agradeciam a Deus pelo pão de cada dia e depois voltavam para a sofrida realidade. Seu Isaquias tinha muita fé, em Deus e na sorte, por isso comprava toda semana um bilhete da loteria.
Certa vez Isaquias ganhou um prêmio. Sem pestanejar dividiu a pequena bolada em dois e deu uma parte para cada filho, por amor e gratidão. Com a parte que lhe coube, o filho viu a oportunidade de abandonar aquela vida tão árida quanto a terra e saiu de casa rumo ao desconhecido. Investiu seu dinheirinho numa casa de baixo meretrício e virou administrador do negócio que chamou de “pedacinho de céu”. O pai ficou desgostoso e caiu de cama por dias seguidos. A filha, por falta de escolha, gastou sua parte cuidando e tratando do pai. Pagou a visita do doutor e os remédios recomendados.
Imagem criada por IA
O velho durou mais uns poucos anos e a lavoura menos que ele. A filha enterrou o pai naquela mesma terra onde ele lutou a vida toda enfrentando a dureza da realidade. Fez as trouxas, fechou a porta do casebre e levando a única galinha restante debaixo do braço saiu rumo à cidade. Vendeu a propriedade por uns poucos punhados de dinheiro e, com ele na bolsinha tricotada por ela mesma, foi ao encontro do irmão entregar a parte da herança.
O irmão, que nunca desejou o mal da família, apenas uma saída daquela sobrevida, ficou comovido com o desenrolar do destino. Acolheu a irmã no seu pedacinho de céu, dando a ela o melhor dos quartos e um cantinho do quintal para a galinha. Sem a ganância por uma vida sem luta, encontraram ali um recomeço.
Ouça a história na voz de Adriana Passari: