O que significa viver bem?
Ronaldo Castilho
A busca por uma vida boa é um dos questionamentos mais antigos da humanidade. Desde os tempos da Grécia Antiga até os debates atuais nas redes sociais, a pergunta permanece: o que significa viver bem? A resposta não é única e tem sido moldada por diversos pensadores ao longo da história, cada um oferecendo interpretações que ainda hoje influenciam nosso modo de viver e pensar a ética na sociedade contemporânea.
Na filosofia clássica, Sócrates já defendia que uma vida boa é aquela pautada no autoconhecimento e na virtude. Para ele, “uma vida não examinada não merece ser vivida”. Seu discípulo, Platão, entendia que a vida boa seria aquela voltada à contemplação do Bem e da Justiça, com a razão governando as paixões. Já Aristóteles, em sua obra Ética a Nicômaco, foi além ao afirmar que o bem supremo é a eudaimonia – frequentemente traduzida como felicidade ou florescimento humano –, alcançada pela prática constante das virtudes, como a coragem, a temperança e a justiça.
Outro filósofo da Antiguidade, Epicuro, propôs uma visão bastante diferente. Para ele, a vida boa consiste em alcançar a ataraxia, ou seja, a paz de espírito e a ausência de perturbações. Ao contrário do senso comum que associa Epicuro ao prazer desmedido, ele defendia prazeres simples, como a amizade, a reflexão e a liberdade do medo. Uma vida boa, portanto, seria aquela em que se evita a dor e se cultiva a serenidade.
Durante a Idade Média, a visão cristã influenciou fortemente o pensamento ocidental. Santo Agostinho defendia que a verdadeira vida boa só seria encontrada na união com Deus, enquanto São Tomás de Aquino conciliava a filosofia aristotélica com os ensinamentos cristãos, afirmando que a vida boa era a vida virtuosa orientada para Deus, o fim último do ser humano.
Com a chegada da Modernidade, pensadores passaram a deslocar o centro da ética da transcendência para o sujeito. Immanuel Kant propôs uma ética do dever: a vida boa seria aquela guiada pela razão e pelo cumprimento do dever moral, sem se deixar levar por interesses pessoais. Por outro lado, John Stuart Mill, representante do utilitarismo, afirmava que uma vida boa seria aquela que promovesse o maior bem para o maior número de pessoas, com base no prazer e na ausência de sofrimento.
No século XIX, Friedrich Nietzsche rompe com a tradição moral cristã e propõe uma vida boa baseada na afirmação da vida e na superação de si mesmo. Para Nietzsche, viver bem é viver com autenticidade, enfrentando os desafios da existência com coragem e criatividade, buscando o que ele chamou de “amor fati” – o amor ao destino. A vida boa não é a mais fácil, mas a mais intensa e verdadeira.
Na contemporaneidade, a discussão se fragmenta em múltiplas correntes, refletindo a pluralidade e a complexidade da vida moderna. Zygmunt Bauman, por exemplo, fala sobre a “vida líquida”, onde as relações são frágeis, os valores instáveis e o consumo ocupa o lugar do sentido. Para ele, a busca por uma vida boa requer resistir à lógica do descartável e cultivar vínculos mais duradouros e autênticos. Já Byung-Chul Han critica o excesso de positividade e produtividade que define nossa época, defendendo que uma vida boa exige silêncio, contemplação e relações verdadeiras, não mediadas apenas por performance.
Entre as vozes contemporâneas, destaca-se também Martha Nussbaum, filósofa norte-americana que propõe uma teoria das capacidades. Para ela, a vida boa depende do acesso das pessoas a condições básicas para desenvolver suas capacidades humanas essenciais: saúde, educação, expressão emocional, participação política, entre outras. Assim, uma sociedade ética deve garantir que cada indivíduo tenha meios reais para florescer como ser humano.
Além dos filósofos, outras vozes vêm ganhando força. Lideranças espirituais como o Dalai Lama associam a vida boa à compaixão, à paz interior e ao cuidado com os outros. Movimentos sociais contemporâneos também propõem que uma vida boa deve incluir justiça social, equidade, preservação ambiental e respeito à diversidade.
Diante desse vasto panorama, percebe-se que a vida boa é, acima de tudo, uma construção ética. Ela exige escolhas conscientes, reflexão sobre o impacto de nossos atos e um olhar sensível para o outro. Em uma sociedade marcada pelo individualismo, pela pressa e pelo consumo, recuperar os valores da solidariedade, da justiça e da responsabilidade pode ser o caminho para resgatar o verdadeiro sentido de viver bem.
Concluindo, a resposta à pergunta - o que é uma vida boa? Não é simples nem única. Porém, o diálogo com os grandes pensadores do passado e do presente nos ajuda a encontrar caminhos mais humanos, éticos e sustentáveis para nós e para as futuras gerações. Afinal, viver bem não é apenas uma questão de conforto, mas de consciência.
Ronaldo Castilho é jornalista, bacharel em Teologia e Ciência Política, com MBA em Gestão Pública com Ênfase em Cidades Inteligentes e pós-graduação em Jornalismo Digital.