Cristiano Zanin e a encruzilhada da Justiça e da política no Brasil
Ronaldo Castilho
A história recente do Brasil apresenta episódios que misturam de forma intensa política, justiça e narrativa pública. Cristiano Zanin, advogado de formação e piracicabano de origem, não é apenas o defensor de um ex-presidente preso, mas se tornou uma figura central na arena política e jurídica do país. Hoje, já ministro do Supremo Tribunal Federal, Zanin preside a 1ª turma responsável pelo julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, o que o coloca no epicentro de uma trama histórica de grande relevância institucional.
Quando Lula se viu atrás das grades, acusado e condenado em processos que polarizaram a opinião pública, Zanin assumiu a defesa, questionando decisões que mantinham Lula preso e reafirmando princípios basilares do Estado Democrático de Direito. Montesquieu, no século XVIII, defendia a separação dos poderes como garantia contra a tirania; Hans Kelsen, no século XX, consolidava a primazia da lei sobre interesses individuais ou políticos. A atuação de Zanin ressoa com essas ideias: a defesa do indivíduo frente à força do aparato estatal e à pressão midiática.
A libertação de Lula abriu espaço para uma narrativa política inédita. Lula retomou seu caminho rumo à presidência da República, vencendo eleições em um cenário marcado por polarização intensa. A mesma figura que atuou na defesa jurídica se torna agora uma referência indireta na trajetória política do país. Maquiavel, no século XVI, já alertava sobre a complexa relação entre virtù e fortuna: o poder não é apenas conquistado pelo mérito, mas pela capacidade de navegar nas contingências históricas. Zanin, mesmo no campo jurídico, influencia decisivamente a história política do Brasil.
A indicação e posse de Zanin no STF, culminando na presidência da 1ª turma que julga Bolsonaro, coloca-o em situação inédita: o advogado que libertou um ex-presidente agora julga o principal adversário desse mesmo líder político. John Rawls defendia que a justiça deve ser imparcial, equilibrando liberdade e equidade, independentemente das preferências políticas dos julgadores. A sociedade brasileira observa atentamente, avaliando a capacidade de Zanin de separar sua atuação passada de seu papel atual como magistrado. Montesquieu e Tocqueville alertavam sobre os riscos do poder concentrado e da sobreposição entre interesses pessoais e públicos; a situação atual ilustra esses riscos de forma concreta.
O julgamento de Bolsonaro representa não apenas um teste jurídico, mas um teste de confiança na instituição. A independência do Judiciário, um pilar da democracia, será medida na forma como a turma presidida por Zanin conduzirá o processo, equilibrando legalidade, ética e transparência. Tocqueville enfatizava a necessidade de equilíbrio entre participação popular e respeito às normas, alertando para os perigos da polarização extrema. No Brasil, essas tensões são palpáveis, e Zanin se torna uma figura-chave para a manutenção da estabilidade institucional.
Se o desfecho desse julgamento seguir os cenários indicados, estaremos diante de uma narrativa histórica em que a atuação de um indivíduo transforma-se em evento estrutural, capaz de alterar o destino político do país. Hegel poderia interpretar tais acontecimentos como a manifestação da razão histórica nos atos humanos, mas essa leitura exige cautela: cada decisão judicial tem consequências éticas e políticas que somente o tempo poderá avaliar.
A trajetória de Cristiano Zanin, de advogado de defesa a ministro do STF e presidente de turma em casos de repercussão nacional, evidencia questões cruciais para qualquer democracia: a independência judicial, a relação entre justiça e política, e o papel do indivíduo na história. Ele encarna um dilema clássico da filosofia política: até que ponto um operador do direito pode influenciar o destino político do país sem comprometer princípios de equidade e imparcialidade? A sociedade, os tribunais e os cidadãos devem refletir sobre esses cruzamentos de papéis e responsabilidades.
Além disso, o episódio provoca reflexões sobre a polarização da sociedade brasileira. Ao longo dos séculos, diversos teóricos observaram que conflitos políticos intensos podem degenerar em crises sociais ou rupturas institucionais. Tocqueville, em seu estudo sobre a democracia nos Estados Unidos, enfatizava a necessidade de equilíbrio entre participação popular e respeito às normas. O Brasil, hoje, vive um momento de tensão em que a justiça, a política e a opinião pública estão intrinsecamente ligadas. Zanin se coloca como figura central dessa trama, lembrando que as instituições não são apenas organismos formais, mas campos vivos de disputa e reflexão ética.
Se o desfecho do julgamento de Bolsonaro confirmar as expectativas de responsabilização, estaremos diante de um marco histórico sem precedentes no país. O advogado que libertou um presidente agora exerce papel decisivo na justiça sobre seu maior adversário político, demonstrando como indivíduos podem alterar o curso da história por meio de decisões fundamentadas na lei. Pensadores como Hegel poderiam interpretar tais eventos como expressão do espírito ético coletivo, no qual a razão histórica se manifesta nos atos humanos. No entanto, a prudência recomenda avaliar o desenrolar do processo e os efeitos que cada sentença terá sobre a confiança pública nas instituições.
A história ainda está sendo escrita, e a sentença de sexta-feira, 12 de setembro, será decisiva nesse relato. Mas, independentemente do resultado, o episódio evidencia que a atuação de pessoas como Zanin não se limita ao campo jurídico: ela repercute na política, na ética e na própria compreensão de democracia. Em um país marcado por desigualdades e polarização, o protagonismo de Zanin oferece lições complexas sobre a interdependência entre justiça, poder e história, lembrando que cada ato de defesa da legalidade é também um ato de responsabilidade histórica.
Em síntese, Cristiano Zanin encarna a tensão entre direito e política, imparcialidade e engajamento, tradição jurídica e realidade política. Sua trajetória coloca em evidência a necessidade de refletir sobre o papel das instituições, a ética na aplicação da lei e a vigilância constante da sociedade sobre o exercício do poder. Mais do que um personagem central, Zanin representa um símbolo do momento crítico pelo qual o Brasil atravessa, um país em que decisões individuais e coletivas, justiça e política se encontram no mesmo palco e onde a história, mais do que nunca, parece depender da coragem e da consciência daqueles que a escrevem.
Ronaldo Castilho é jornalista, bacharel em Teologia e Ciência Política, com MBA em Gestão Pública com Ênfase em Cidades Inteligentes e pós-graduação em Jornalismo Digital.