O garoto e a leoa
Ivana Maria França de Negri
Ele se chamava Gerson, tinha 19 anos, e seu sonho, desde sempre, era ser domador de leões na África. Tinha adoração por leões!
A leoa, se chamava Leona, tinha 18 anos, nasceu em cativeiro, e seu sonho era viver livre nas savanas da África.
Os dois foram protagonistas de uma fatalidade que foi filmada ao vivo e virou manchete no mundo todo.
O menino era vulnerável, criado longe da família, pois tanto os pais como os avós tinham problemas mentais. Ele e os irmãos foram tirados da mãe ainda pequenos. Os dois irmãos saudáveis tiveram melhor sorte e foram adotados. Mas Gerson não foi, pois tinha fortes traços de esquizofrenia e viveu até os dezoito anos numa instituição. Completada a maioridade, foi largado à própria sorte.
Leona nunca viveu em um ambiente natural, passou toda vida num espaço limitado, servindo de atração para as pessoas.
Dois seres frágeis, inocentes, protagonistas de uma desgraça por falha humana. O jovem precisava de cuidados. A leoa precisava de liberdade.
Ele adentrou no espaço dela num zoo em João Pessoa, sem noção alguma do perigo, e foi morto pelo felino na frente de todos que estavam ali naquele momento e nada puderam fazer.
Ele não queria matar a leoa. Em seus desvarios, imaginava que ia abraçá-la, e ela o receberia como um gatinho manso e retribuiria o abraço. Por isso desceu no recinto sem medo algum. Ela não estava acostumada a invasores e reagiu, num comportamento instintivo de defesa de seu território.
Dessa tragédia surge um debate: ainda precisamos de zoológicos no Brasil? Qual o papel de um zoológico? Se for educativo, estamos numa era de enormes avanços tecnológicos! Precisamos aprisionar animais selvagens e subjugá-los a prisões perpétuas para nosso lazer e diversão? Temos esse direito? Esse modelo já não está ultrapassado?
O caso poderia ser tratado como mais uma “fatalidade”, mas tragédias como essa são frequentes em zoológicos ao redor do mundo. Invasões, mortes, fugas e conflitos envolvendo humanos e animais mostram que essas instituições não são tão seguras quanto se imagina, nem para os animais ali mantidos, nem para o público.
É hora de revisar o papel dos zoológicos. Será que não existem alternativas mais éticas, projetos que respeitem a vida selvagem, não causem sofrimento e estresse para os animais e sejam educativos para as crianças?
Existem no mundo alguns santuários, onde animais que foram feridos, ou tenham defeitos físicos que os impedem de viver nas selvas, possam ser cuidados. E como não podem voltar à natureza, podem ser visitados, mas em recintos que lembrem seu habitat natural e não em minúsculas jaulas, verdadeiras prisões perpétuas de inocentes.
No tribunal da internet, muitos culparam a leoa e insistiam que deveria ser sacrificada. Outros culparam o jovem, sem saber de seus problemas mentais. Outros ainda, culparam a segurança do zoo. Mas como iriam imaginar que alguém iria driblar todos os obstáculos para entrar por livre e espontânea vontade dentro do recinto dos leões?
A leoa é isenta de culpa, presa, nunca teve liberdade, e quando viu o invasor do seu espaço, ela o atacou, não por fome, mas porque seus instintos afloraram.
A conclusão que chegamos: o jovem deveria estar numa clínica psiquiátrica para tratamento. A leoa deveria estar em liberdade.
A culpa? Do ser humano, do sistema, que só almeja lucros e não dá a mínima para humanos ou animais.
Ivana Maria França de Negri é escritora