Quando as emoções influenciam a tomada de decisões: emoção versus razão
Ronaldo Castilho
A relação entre emoção e tomada de decisão sempre intrigou pensadores ao longo da história. Da filosofia clássica à neurociência contemporânea, compreender como decidimos, e por que decidimos, tem sido um esforço contínuo para desvendar o funcionamento humano. Hoje, a ciência demonstra que decisões não são fruto apenas de raciocínio lógico, mas de um entrelaçamento profundo entre emoção, memória, cognição e contexto social. Ignorar esse entrelaçamento é ignorar o próprio modo de funcionamento do cérebro humano.
Desde a Antiguidade, filósofos já percebiam que emoções influenciam a razão. Aristóteles afirmava que a virtude está na justa medida, sugerindo que excessos emocionais podem distorcer escolhas. Séculos depois, David Hume, em frontal oposição ao racionalismo de Descartes, defendia que “a razão é e deve ser escrava das paixões”, deixando claro que, sem emoção, não há motivação, nem direção. Já Kant buscou restabelecer a primazia da racionalidade, mas ainda assim reconhecia que a sensibilidade humana molda o modo como interpretamos o mundo. Essa oscilação histórica entre emoção e razão parecia um dilema filosófico insolúvel, até que a neurociência lançou nova luz sobre o tema.
Antonio Damásio, um dos mais influentes neurocientistas contemporâneos, revolucionou o entendimento sobre emoções ao demonstrar, por meio de estudos clínicos, que pessoas com lesões no córtex pré-frontal ventromedial, região onde emoção e razão se integram, tornavam-se incapazes de tomar decisões mesmo preservando sua inteligência cognitiva. Ou seja, pensar não basta. Para decidir, é preciso sentir. A emoção funciona como um marcador somático, uma espécie de bússola que filtra possibilidades, orienta prioridades e confere peso às consequências. Sem ela, o indivíduo se perde em análises intermináveis e escolhas desprovidas de significado.
Esse ponto é fundamental quando pensamos no hábito contemporâneo da procrastinação decisória. Em um mundo saturado de estímulos, responsabilidades e incertezas, adiar decisões tornou-se quase um mecanismo automático de proteção emocional. Mas a neurociência demonstra que a postergação constante alimenta um circuito de estresse, ansiedade e fadiga mental. A evitação, ao invés de poupar energia psíquica, consome mais do que se imagina, pois o cérebro permanece em estado de vigilância, tentando resolver o que não foi resolvido. É como manter portas entreabertas: nenhuma se fecha, nenhuma se atravessa, e o indivíduo permanece paralisado entre possibilidades.
A sinceridade, consigo mesmo e com o outro, tem papel decisivo nesse processo. Em termos neurobiológicos, a coerência interna reduz a carga cognitiva, permitindo que redes neurais associadas à tomada de decisão funcionem de forma mais eficiente. A honestidade emocional não é apenas um valor moral; é também um regulador neuropsicológico. Quando o indivíduo age em dissonância com o que sente, ativa-se um conflito interno entre circuitos pré-frontais e sistemas límbicos, gerando tensão, confusão e decisões mal estruturadas. Em contrapartida, a clareza emocional abre espaço para decisões mais rápidas, firmes e bem definidas.
Diversos pensadores, de épocas e correntes distintas, já intuíam esse princípio antes mesmo que a ciência pudesse prová-lo. Sêneca alertava que “nenhum vento é favorável para quem não sabe aonde vai”, indicando a importância de definir caminhos com lucidez. Kierkegaard, ao discutir a angústia da escolha, afirmava que decidir é sempre arriscar, e que fugir desse risco é fugir da própria existência. Hannah Arendt via na ação e na palavra sincera o fundamento da vida pública, pois a decisão clara cria realidade, estabelece compromissos e orienta o futuro. De modo mais contemporâneo, Zygmunt Bauman apontava para a liquidez das relações modernas, onde a indecisão tornou-se quase um estilo de vida, mas não sem consequências profundas para a saúde emocional.
A ciência da comunicação reforça esse entendimento ao mostrar que comunicar não é apenas emitir palavras, mas assegurar que o outro compreenda. A comunicação só se completa no entendimento, não na fala ou no texto. Essa distinção parece óbvia, mas raramente é praticada. Grande parte dos conflitos pessoais, profissionais e institucionais nasce justamente da ilusão de que “dizer” é suficiente. Neurocientistas cognitivos, como Steven Pinker, destacam que o cérebro humano opera por inferências: ele completa lacunas, interpreta, supõe. Assim, quando uma mensagem é ambígua ou quando evitamos ser diretos, o cérebro do interlocutor preenche o que falta, e quase sempre preenche errado. Por isso, decisões ditas “nas entrelinhas” ou comunicadas pela metade geram ruídos, mal-entendidos e desdobramentos que poderiam ser evitados.
Do ponto de vista comportamental, a clareza comunicacional reduz incertezas e estabiliza o sistema de previsão do cérebro. O ser humano, biologicamente, detesta ambiguidade, pois a ambiguidade ativa a amígdala, centro neural do medo e da vigilância. Mensagens vagas geram insegurança; decisões arrastadas prolongam o desconforto. Em contraste, a decisão comunicada com precisão libera dopamina, promove sensação de avanço, e alinha expectativas. Assim, decidir e comunicar bem não é apenas uma habilidade social: é uma necessidade neurobiológica.
A importância de decidir, e de decidir com sinceridade, também se relaciona ao papel social das escolhas. As decisões constroem redes de confiança, modelam instituições, orientam políticas públicas e influenciam a vida coletiva. Desde Maquiavel até Max Weber, pensadores demonstraram que lideranças fortes não são aquelas que jamais erram, mas aquelas que assumem decisões com clareza, reconhecem limites e expressam intenções de forma transparente. A indecisão, ao contrário, gera vácuos de poder, favorece conflitos e abre espaço para interpretações equivocadas.
Em estudos recentes, neurocientistas sociais confirmaram que a confiança interpersonal está ancorada na previsibilidade. Pessoas que decidem com firmeza, explicam seus motivos e mantêm coerência ativam, no outro, redes neurais associadas à segurança e colaboração. Já personalidades indecisas ou ambíguas acionam mecanismos de alerta, retração e dúvida. Isso significa que a tomada de decisão não é apenas um ato individual, é também um ato relacional. Ela comunica valores, estabelece identidades e molda ambientes.
É nesse ponto que a sabedoria de diferentes épocas converge com a ciência contemporânea. Os filósofos intuíram aquilo que a neurociência agora demonstra empiricamente: a decisão é um ato emocional, racional, ético e comunicacional ao mesmo tempo. Não se pode separar razão de emoção, nem decisão de comunicação, nem sinceridade de clareza. Cada escolha é um retrato do funcionamento integrado do cérebro humano e, ao mesmo tempo, um gesto que afeta o mundo externo.
Portanto, decidir não é apenas escolher entre alternativas. É assumir a responsabilidade pelos próprios sentimentos, comunicar com clareza, e reconhecer que o tempo da decisão influencia o seu impacto. Protelar indefinidamente não protege ninguém; apenas prolonga conflitos e desgasta emoções. Decidir implica coragem, e coragem implica sinceridade, consigo e com os outros.
Em um mundo cada vez mais acelerado e complexo, onde a quantidade de informações excede nossa capacidade de processá-las, a lucidez decisória torna-se uma virtude indispensável. E essa lucidez depende de um diálogo honesto entre aquilo que sentimos e aquilo que pensamos. No fim, a ciência confirma aquilo que a filosofia sempre soube: somos seres que decidem com o cérebro inteiro, não apenas com a razão, não apenas com a emoção, mas com a integração madura e consciente de ambas. A decisão é o gesto mais humano que existe: ela nos define, nos direciona e nos conecta ao outro. E é somente quando essa decisão é comunicada de modo completo e compreendido que o ciclo humano da escolha se encerra plenamente.
Ronaldo Castilho é Jornalista e articulista, com pós-graduação em Jornalismo Digital. É licenciado em História e Geografia, bacharel em Teologia e Ciência Política, e possui MBA em Gestão Pública com ênfase em Cidades Inteligentes.