Impactos
geopolíticos da queda de Bashar al-Assad na Síria
Ronaldo
Castilho
O
governo de Bashar al-Assad na Síria, iniciado em 2000, foi marcado por
profundas transformações internas, conflitos devastadores e impactos
geopolíticos significativos. Assad assumiu a presidência após a morte de seu
pai, Hafez al-Assad, que governou o país por três décadas. Inicialmente visto
como um reformista, sua liderança revelou uma continuidade com o regime
autoritário do pai, caracterizado pela centralização de poder, repressão e
rígido controle do Estado sobre diversos aspectos da sociedade.
Assad
herdou um sistema político dominado pelo partido Baath, que, desde 1963,
consolidara um regime unipartidário. Nos primeiros anos de seu governo,
prometeu modernizar o país, promover reformas econômicas e ampliar as
liberdades civis. No entanto, essas promessas foram rapidamente frustradas, com
o fortalecimento dos serviços de segurança e a repressão a qualquer forma de
oposição. O regime manteve um controle rígido sobre a sociedade, impedindo
avanços democráticos significativos.
O
momento mais crítico do governo de Bashar al-Assad começou em 2011, com a
Primavera Árabe. Protestos pacíficos contra o regime foram brutalmente
reprimidos, levando a uma escalada de violência e ao início de uma guerra
civil. O conflito, um dos mais devastadores do século XXI, resultou em centenas
de milhares de mortos, milhões de deslocados e na destruição de grande parte da
infraestrutura do país. A guerra transformou a Síria em um palco de disputas
entre grandes potências, exacerbando as tensões no Oriente Médio.
Em
dezembro de 2024, após 24 anos no poder, Bashar al-Assad foi deposto, marcando
o fim de uma era. A queda ocorreu após a tomada de Damasco por uma coalizão de
grupos rebeldes, levando Assad a fugir para a Rússia. A formação de um governo
de transição sob a liderança de Mohammed al-Bashir, do "Governo de
Salvação Síria", iniciou uma nova fase política no país. Essa transição,
apoiada por diversos grupos rebeldes, gerou esperanças de estabilidade, mas
também desafios imensos para a reconstrução e reconciliação nacional.
O
legado de Bashar al-Assad é amplamente negativo. Seu governo é associado a
graves violações de direitos humanos, incluindo tortura, execuções sumárias e o
uso de armas químicas. O conflito devastador deixou a economia síria em ruínas,
com milhões de cidadãos vivendo como refugiados ou deslocados internos. A queda
de Assad encerra uma era de autoritarismo e guerra, mas deixa um país
profundamente dividido e devastado.
A
queda de Assad em 2024 teve repercussões globais, incluindo reflexos
significativos para o Brasil. Embora à primeira vista as relações entre os dois
países pareçam distantes, as implicações desse evento se estendem a diversas
áreas. A instabilidade no Oriente Médio impacta os mercados globais de energia,
influenciando diretamente o preço do petróleo. Como importador, o Brasil pode
sentir os efeitos desse cenário na inflação e nos custos de produção, afetando
a economia e o bolso dos brasileiros.
Além
disso, o Brasil, que tem acolhido refugiados sírios ao longo dos anos, pode
enfrentar novos desafios humanitários. Dependendo do desdobramento político na
Síria, é possível que o fluxo de refugiados aumente ou que ocorra o retorno de
alguns para o país de origem. Ambas as situações demandam uma postura ativa do
governo brasileiro para ajustar políticas de imigração e apoio social.
No
campo diplomático, o Brasil tem a oportunidade de reforçar seu papel no cenário
internacional. Como defensor tradicional de soluções pacíficas, o país pode
atuar como mediador em discussões sobre a reconstrução da Síria, fortalecendo
sua imagem como ator global e abrindo portas para futuras parcerias comerciais
e culturais. No entanto, também é necessário considerar os desafios de
segurança global, dado que a Síria tem sido terreno fértil para grupos
extremistas. A reconfiguração dessas forças pode exigir maior vigilância contra
ameaças transnacionais.
Por
fim, há um aspecto humanitário e comunitário que merece atenção. A comunidade
sírio-brasileira, que já desempenha um papel importante na integração cultural
do país, pode se mobilizar ainda mais diante dos desdobramentos na terra natal
de seus ancestrais. Essa mobilização pode reforçar a conexão entre o Brasil e o
Oriente Médio, ao mesmo tempo em que promove discussões sobre solidariedade e
direitos humanos.
Em
resumo, a queda de Bashar al-Assad, embora distante geograficamente, traz
impactos significativos para o Brasil. As mudanças nos mercados energéticos, as
questões humanitárias, as oportunidades diplomáticas e os desafios de segurança
global evidenciam um mundo cada vez mais interconectado. Cabe ao Brasil agir
estrategicamente para proteger seus interesses e contribuir para um futuro mais
estável, tanto interna quanto externamente.
Ronaldo
Castilho é jornalista e bacharel em Teologia e Ciência Política