Geopolítica global: entre o tarifaço de Trump e o lugar do Brasil
Ronaldo Castilho
A nova geopolítica global está em constante mutação, com Estados Unidos, China e Rússia disputando protagonismo em um cenário cada vez mais complexo, interdependente e, ao mesmo tempo, marcado por rupturas. A volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em 2025 intensificou esse processo. Em seu primeiro semestre de mandato, ele impôs um tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros como retaliação direta ao fortalecimento do bloco BRICS, que passou a se chamar BRINCS com a entrada da Nigéria. O novo bloco, que busca maior protagonismo geopolítico e econômico fora do eixo tradicional EUA-Europa, foi visto por Trump como uma ameaça à hegemonia americana, e o Brasil acabou sendo o elo mais vulnerável da cadeia para um contra-ataque comercial imediato.
Historicamente, pensadores como Henry Kissinger alertaram para o perigo de uma ordem global sem coordenação entre grandes potências. Para ele, o equilíbrio de poder era essencial para evitar conflitos. Já Zbigniew Brzezinski via a Eurásia como o grande tabuleiro geopolítico, onde quem controlasse essa região teria a hegemonia global. Hoje, a China avança exatamente nesse eixo com sua Nova Rota da Seda, enquanto a Rússia, após a invasão da Ucrânia em 2022, endureceu seu confronto com o Ocidente e se aproximou ainda mais de Pequim, criando uma frente euroasiática alternativa à hegemonia ocidental.
A China, por sua vez, se impõe como potência econômica e tecnológica. Com investimentos agressivos em inteligência artificial, infraestrutura e energias limpas, tenta moldar uma ordem multipolar sob sua liderança. O país aposta em parcerias estratégicas com o Sul Global, incluindo África e América Latina, buscando mercados e apoio político. A Rússia, apesar das sanções e do isolamento diplomático ocidental, mantém influência militar e energética,
especialmente sobre a Europa e países da Ásia Central. A guerra na Ucrânia serviu para reafirmar seu papel como potência revisionista e desafiante da ordem liberal.
O Brasil, nesse contexto, ocupa uma posição ambígua. Como potência regional e membro influente do agora BRINCS, tem buscado ampliar sua autonomia estratégica e diversificar suas parcerias internacionais. O governo brasileiro mantém um discurso de neutralidade e pragmatismo, defendendo uma multipolaridade inclusiva e o fortalecimento de organismos multilaterais. No entanto, o país ainda carece de um projeto geopolítico de longo prazo. A dependência de exportações de commodities e a vulnerabilidade frente a choques externos – como os efeitos concretos do tarifaço trumpista – evidenciam a fragilidade da posição brasileira na cadeia global.
O impacto da nova geopolítica também se reflete diretamente na economia global. O aumento de tarifas e a fragmentação do comércio internacional tendem a provocar uma desaceleração econômica e a redefinir cadeias produtivas. Empresas multinacionais começam a relocalizar fábricas, adotando estratégias de “friendshoring”, ou seja, produzindo em países considerados politicamente alinhados. Esse movimento pode excluir economias emergentes como o Brasil se o país não demonstrar estabilidade institucional e segurança jurídica para investimentos de longo prazo. A diplomacia comercial, portanto, se torna tão importante quanto as relações políticas clássicas.
Outro fator-chave no cenário atual é a segurança global. O aumento dos gastos militares por parte das grandes potências, aliado a guerras regionais e tensões no Indo-Pacífico e no Leste Europeu, reacende o risco de conflitos armados de larga escala. A Rússia insiste em sua presença militar forte como resposta à OTAN, enquanto os EUA fortalecem alianças estratégicas no Pacífico para conter a influência chinesa. O Brasil, que historicamente adota uma postura pacifista e de não intervenção, precisa encontrar seu papel em fóruns multilaterais de segurança, promovendo mediação e soluções diplomáticas, mas também reforçando sua soberania e defesa nacional.
O debate ambiental também entra com força na geopolítica. A transição energética e a luta contra as mudanças climáticas passaram a ser temas centrais nos acordos internacionais. A China domina a produção de painéis solares e baterias, enquanto os EUA correm para recuperar espaço com subsídios bilionários. O Brasil, com sua matriz energética relativamente limpa e seu potencial de liderança em biodiversidade, poderia ser uma referência internacional se proteger de fato a Amazônia e investir em uma economia verde. O desmatamento e os conflitos ambientais, no entanto, ainda ameaçam essa possibilidade e expõem o país a pressões internacionais e boicotes comerciais.
Por fim, o Brasil precisa recuperar sua tradição diplomática propositiva e construtiva, característica histórica do Itamaraty. O momento exige mais do que neutralidade: exige presença. Participar ativamente de iniciativas como os BRICS+, o G20 e a ONU, com propostas concretas, é fundamental para que o país não seja apenas um espectador no cenário global. A nova geopolítica não permite vácuos. Quem não ocupa um lugar, é ocupado. O Brasil tem história, recursos e legitimidade para ser uma voz relevante na construção de uma ordem internacional mais equilibrada, cooperativa e sustentável — desde que haja clareza de projeto e vontade política.
Ronaldo Castilho é jornalista, bacharel em Teologia e Ciência Política, com MBA em Gestão Pública com Ênfase em Cidades Inteligentes e pós-graduação em Jornalismo Digital.