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Coluna: Entre Linhas com Ivana Negri

Publicada em: 11/09/2025 15:34 -

Sobre discursos e oradores

Ivana Maria França de Negri

 

            Saber discursar é uma arte. Ter o dom de deixar plateias inteiras atentas, em silêncio e acordadas, torna-se uma proeza e tanto.

Quem nunca bocejou durante um discurso? Quem não se deu conta que suas pálpebras não lhe obedeciam ficando quase a fechar-se? Ou quem não ficou consultando de tempos em tempos os ponteiros do relógio achando que eles não se moviam?

Na época de final de ano, principalmente, somos obrigados a assistir a uma série de sermões e discursos em confraternizações, formaturas, cultos, missas, lançamentos de livros, inaugurações ou posses de cargos em eventos diversos.

Se alguns nascem com o dom da oratória, outros deveriam ser mais breves, concisos, procurando não se estender além dos parâmetros que o público suporta.

Alguns trazem calhamaços de papéis e acabam lendo seus discursos, ao passo que outros, sabem improvisar e têm assunto para qualquer tema ou ocasião. Geralmente são os advogados ou educadores, que vão se acostumando com a oratória e falam cada vez mais, se empolgam e não percebem quando extrapolam os limites e se tornam inconvenientes.

Se não for algo extraordinariamente bom, ou palavras que se encaixem exatamente naquele momento, não se iludam, os discursos serão esquecidos assim que terminarem. Eu me lembro do orador mais ovacionado e aplaudido que ouvi em toda minha vida. Foi durante a sessão solene da formatura do meu filho pela Escola Paulista de Medicina.

Entre os muitos homenageados, professores, paraninfo, reitor e outras autoridades, a mesa se compunha de umas quinze personalidades. Cada qual procurava falar mais e com mais eloquência que o seu antecessor, rebuscando as palavras para impressionar.

Era mês de dezembro, um calor insuportável, sala lotada, muitas pessoas em pé, e as horas se arrastando. Geralmente vão muitos avôs e avós de idade nessas festas, homens engravatados “suam” dentro de ternos, mulheres se equilibram em saltos altíssimos e crianças não conseguem ficar muito tempo sentadas, comportando-se como se houvesse pregos nas cadeiras.  Pois bem, quando faltavam apenas dois oradores, e as pessoas ansiavam que tudo terminasse para que a entrega de diplomas se efetivasse e pudessem partir para o coquetel, que a essa altura cheirava muito bem, com o odor dos salgadinhos invadindo o salão, o penúltimo da fila levantou-se e disse palavras que eu nunca mais esquecerei: “Senhoras e senhores, tudo o que eu ia dizer, os que me antecederam já disseram. Por isso, digo apenas duas palavrinhas - sejam felizes!”. A plateia delirou e o aplaudiu de pé! Ficaram muito tempo batendo palmas e vibrando como se ele tivesse feito o melhor discurso do mundo (e não foi?). Creio que ele mesmo não esperava tanto. O último orador, ficou tão sem graça diante do ocorrido que deve ter abreviado ao máximo o discurso que havia preparado. Não me lembro sobre o que ele falou...

Como ninguém é um Platão ou Jesus Cristo, é bom munir-se de “simancol” para perceber quando é tempo de parar, geralmente quando muitos já estão bocejando, irrequietos nas cadeiras, consultando os relógios, roncando ou se retirando “discretamente”.

Diz o ditado popular – e o povo é sempre sábio – que se falar fosse mais importante, teríamos duas bocas ao invés de dois ouvidos, dois olhos, duas narinas, duas pernas e duas mãos.

                                 Ivana Maria França de Negri é escritora

 

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