Por Adriana Passari - @adrianapassari
As
voltas que o mundo dá
Meu
velho pai, cansado da vida, vivia reclamando que o mundo estava de cabeça pra
baixo. Não que fosse tão velho, nem tão cansado, mas essa postura ranzinza, já
fazia parte da sua personalidade. Só não convencia muito àqueles que estavam
acostumados a vê-lo brincar com seus netos rolando pelo chão da sala, descendo
a rampa do quintal montado num carrinho de rolimã onde nem cabia ou ainda
sentado na pequena piscina infantil de plástico fingindo ser um tubarão.
Aos
adultos ele guardava os momentos mais mal-humorados, até para manter a imagem
de rigoroso e rabugento que fazia parte do personagem que gostava de
interpretar. Sua fama de bravo era conhecida ao longe e já havia impedido
muitos mal intencionados de se aproximarem de suas preciosas filhas.
Certo dia, em uma visita à casa dos meus pais, todos estavam sentados à sala, assistindo o noticiário da televisão, quando o inconformado Vardo repetiu mais uma vez sobre o fato do mundo estar de pernas para o ar. Bom mesmo era no tempo dele, quando havia mais respeito, mais educação, mais isso e mais aquilo. Fiquei incomodada. Naquele momento, a prudência indicava a balançar a cabeça e concordar, encerrando o assunto. Mas, naquela noite eu estava inspirada. Quando minha mãe percebeu que eu aceitara o desafio e iria para o debate, quase implorou com o olhar para que eu apenas me calasse. Ofereceu um suco, uma água, um bolo, qualquer coisa que me enchesse a boca e impedisse o confronto que viria a seguir.
Mas
eu estava num daqueles dias, cheia de energia e pronta para me divertir
cutucando a onça com vara curta. Foi uma lembrança da minha antiga professora
“tia Ruth” que me inspirou na resposta. E começou o duelo:
-Mas
pai, o mundo sempre esteve e sempre estará de pernas para o ar. Foi isso que
aprendi há muitos anos na escola que você me matriculou. Os planetas vivem em
movimento, orbitando no universo. O planeta Terra gira em torno do Sol. Já
ouviu falar de rotação e translação? Pois é. Eu estava na quarta série e a
turma teve dificuldade para entender o que era isso. Mas a professora teve uma
brilhante ideia que virou uma lição para a vida inteira. Afastou as cadeiras da
sala de aula e chamou todos os alunos. Escolheu o João, que era o aluno mais
alto da turma para fazer o papel de Sol, representando o maior astro do
sistema. E a Patrícia, a mais agitada entre nós, para fazer o papel da Terra. O
Sol João, redondo e brilhante, posicionou-se no centro da classe que a tia
chamou de centro do sistema solar. Patrícia, ou melhor, a Terra, deveria ficar
girando em volta do sol. Mas girando de que jeito, professora, ela perguntou,
cheia de dúvidas.
-Virando cambalhota! Respondeu a professora.
@lucasleibholz
E
lá foi ela. Cada cambalhota completa de Patrícia era o movimento de rotação,
que dura 24 horas, um dia inteiro. Quando o sol nasce e se põe. E para dar a
volta toda em torno do Sol, completando a translação, era preciso dar muitas
cambalhotas, para ser mais exata, 365, ou se preferir, um ano. E lá se foi a
Terra Patrícia girando pela classe, uma hora com a cabeça pra cima e outra com
a cabeça para baixo e os pés para o ar! E foi assim que eu aprendi que o
planeta vive dando cambalhotas, de cabeça para baixo e pernas para o ar, desde
que o mundo é mundo!
Sem paciência para continuar a conversa, meu velho pai resmungou, balançou a cabeça em negação, apontou o controle remoto para a televisão e aumentou o volume. Fim da batalha.
Ouça na voz de Adriana Passari a história desta semana: