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Coluna: "Entre Aspas" com Ronaldo Castilho

Publicada em: 14/04/2025 06:30 - Colunas

A importância da dúvida na construção do conhecimento

Ronaldo Castilho

 

A dúvida tem desempenhado um papel essencial na construção do conhecimento ao longo da história da humanidade. Longe de ser um sinal de fraqueza ou ignorância, a dúvida é, na verdade, um motor poderoso que impulsiona o pensamento crítico, a investigação científica e o progresso intelectual. Desde os filósofos antigos até os cientistas contemporâneos, muitos pensadores reconheceram o valor da dúvida como ponto de partida para o verdadeiro saber.

René Descartes, filósofo francês do século XVII, foi um dos grandes defensores da dúvida como método filosófico. Em sua obra Meditações Metafísicas, ele propõe a chamada dúvida metódica: um processo sistemático de questionamento de todas as crenças e conhecimentos previamente aceitos, até que reste apenas aquilo que possa ser considerado absolutamente verdadeiro. Descartes chega à famosa conclusão “Penso, logo existo” (Cogito, ergo sum), demonstrando que a dúvida não leva à paralisia, mas sim a uma base sólida e confiável para o conhecimento. A partir dessa certeza inicial, ele reconstrói o edifício do saber com fundamentos mais firmes.

Outro pensador que valorizou a dúvida foi Sócrates, cuja máxima “só sei que nada sei” revela uma postura de humildade intelectual fundamental para o crescimento do conhecimento. Sócrates acreditava que, ao reconhecer a própria ignorância e ao questionar as certezas dos outros, era possível avançar rumo a uma compreensão mais profunda e verdadeira da realidade. O método socrático, baseado em perguntas e respostas, não buscava apenas transmitir informações, mas provocar o pensamento e estimular a reflexão. A dúvida, nesse contexto, não era um fim em si mesma, mas um caminho para a verdade.

Na ciência, a dúvida é igualmente indispensável. O físico e filósofo Karl Popper defendeu a ideia de que a ciência progride por meio da falsificação de hipóteses. Para ele, nenhuma teoria científica pode ser considerada absolutamente verdadeira; o que define uma boa teoria é sua capacidade de resistir a testes rigorosos e tentativas de refutação. Quando os cientistas duvidam das explicações existentes e propõem novas teorias que possam ser testadas e criticadas, eles ampliam os limites do conhecimento. A dúvida, portanto, é uma ferramenta metodológica que permite à ciência corrigir seus erros e se aproximar cada vez mais da realidade.

Além do campo da filosofia e da ciência, a dúvida também é fundamental na educação. Um sistema educacional que valoriza a memorização mecânica e desencoraja o questionamento não prepara cidadãos críticos, mas sim reprodutores de ideias alheias. O educador Paulo Freire destacava a importância do diálogo e da problematização na aprendizagem, defendendo uma pedagogia libertadora baseada na reflexão crítica da realidade. Ao duvidar, o aluno deixa de ser passivo e passa a construir ativamente seu próprio conhecimento.

Dessa forma, é possível perceber que a dúvida, longe de ser um obstáculo, é uma condição essencial para o avanço do saber. Ela permite revisar crenças, romper com dogmas, desafiar o senso comum e abrir caminhos para novas descobertas. Em um mundo marcado por incertezas, informações desencontradas e verdades absolutas impostas por diferentes esferas do poder, cultivar a dúvida é também um ato de resistência e liberdade intelectual. A dúvida nos torna mais conscientes de nossos limites e mais abertos à complexidade do mundo. Por isso, ela deve ser não apenas tolerada, mas incentivada como atitude permanente na busca pelo conhecimento.

Ronaldo Castilho é jornalista, bacharel em Teologia e Ciência Política com MBA em Gestão Pública com Ênfase em Cidade Inteligente


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