A importância da dúvida na
construção do conhecimento
Ronaldo
Castilho
A
dúvida tem desempenhado um papel essencial na construção do conhecimento ao
longo da história da humanidade. Longe de ser um sinal de fraqueza ou
ignorância, a dúvida é, na verdade, um motor poderoso que impulsiona o
pensamento crítico, a investigação científica e o progresso intelectual. Desde
os filósofos antigos até os cientistas contemporâneos, muitos pensadores
reconheceram o valor da dúvida como ponto de partida para o verdadeiro saber.
René
Descartes, filósofo francês do século XVII, foi um dos grandes defensores da
dúvida como método filosófico. Em sua obra Meditações Metafísicas, ele propõe a
chamada dúvida metódica: um processo sistemático de questionamento de todas as
crenças e conhecimentos previamente aceitos, até que reste apenas aquilo que
possa ser considerado absolutamente verdadeiro. Descartes chega à famosa
conclusão “Penso, logo existo” (Cogito, ergo sum), demonstrando que a dúvida
não leva à paralisia, mas sim a uma base sólida e confiável para o
conhecimento. A partir dessa certeza inicial, ele reconstrói o edifício do
saber com fundamentos mais firmes.
Outro
pensador que valorizou a dúvida foi Sócrates, cuja máxima “só sei que nada sei”
revela uma postura de humildade intelectual fundamental para o crescimento do
conhecimento. Sócrates acreditava que, ao reconhecer a própria ignorância e ao
questionar as certezas dos outros, era possível avançar rumo a uma compreensão
mais profunda e verdadeira da realidade. O método socrático, baseado em
perguntas e respostas, não buscava apenas transmitir informações, mas provocar
o pensamento e estimular a reflexão. A dúvida, nesse contexto, não era um fim
em si mesma, mas um caminho para a verdade.
Na
ciência, a dúvida é igualmente indispensável. O físico e filósofo Karl Popper
defendeu a ideia de que a ciência progride por meio da falsificação de
hipóteses. Para ele, nenhuma teoria científica pode ser considerada
absolutamente verdadeira; o que define uma boa teoria é sua capacidade de
resistir a testes rigorosos e tentativas de refutação. Quando os cientistas
duvidam das explicações existentes e propõem novas teorias que possam ser
testadas e criticadas, eles ampliam os limites do conhecimento. A dúvida,
portanto, é uma ferramenta metodológica que permite à ciência corrigir seus
erros e se aproximar cada vez mais da realidade.
Além
do campo da filosofia e da ciência, a dúvida também é fundamental na educação.
Um sistema educacional que valoriza a memorização mecânica e desencoraja o
questionamento não prepara cidadãos críticos, mas sim reprodutores de ideias
alheias. O educador Paulo Freire destacava a importância do diálogo e da
problematização na aprendizagem, defendendo uma pedagogia libertadora baseada
na reflexão crítica da realidade. Ao duvidar, o aluno deixa de ser passivo e
passa a construir ativamente seu próprio conhecimento.
Dessa
forma, é possível perceber que a dúvida, longe de ser um obstáculo, é uma
condição essencial para o avanço do saber. Ela permite revisar crenças, romper
com dogmas, desafiar o senso comum e abrir caminhos para novas descobertas. Em
um mundo marcado por incertezas, informações desencontradas e verdades
absolutas impostas por diferentes esferas do poder, cultivar a dúvida é também
um ato de resistência e liberdade intelectual. A dúvida nos torna mais
conscientes de nossos limites e mais abertos à complexidade do mundo. Por isso,
ela deve ser não apenas tolerada, mas incentivada como atitude permanente na
busca pelo conhecimento.
Ronaldo Castilho é jornalista, bacharel em Teologia e Ciência Política com MBA em Gestão Pública com Ênfase em Cidade Inteligente