A busca pelo sentido da vida na sociedade contemporânea
Ronaldo Castilho
A busca pelo sentido da vida é uma inquietação humana que atravessa os séculos e assume contornos particulares em cada época. Na sociedade contemporânea, marcada pela velocidade da informação, pelo individualismo exacerbado e pela crise de valores, essa busca torna-se, ao mesmo tempo, mais urgente e mais difusa. Nunca se teve tanto acesso a conhecimento, tecnologia e liberdade de escolha — e, paradoxalmente, nunca se sentiu tanto vazio, ansiedade e desconexão.
Desde a antiguidade, pensadores buscaram responder a essa pergunta essencial. Para Aristóteles, a finalidade da vida era alcançar a eudaimonia, ou seja, a felicidade plena, conquistada por meio da virtude e do uso racional da razão. A vida boa, para ele, exigia equilíbrio, ética e o cultivo da excelência pessoal. Já na tradição cristã, Santo Agostinho via o sentido da vida como a união com Deus, sustentando que o coração humano só encontra repouso quando repousa em algo maior do que si mesmo — no caso, o divino.
Séculos depois, no auge da modernidade, surge uma guinada no pensamento. Com Nietzsche, por exemplo, a crítica à moral tradicional e às certezas religiosas desloca o sentido da vida para a construção pessoal, com sua famosa sentença “Deus está morto”. Para o filósofo alemão, cabe ao ser humano criar seus próprios valores, sendo o “além-do-homem” (Übermensch) aquele que supera os limites impostos e assume com coragem a responsabilidade por sua existência.
Já no século XX, diante dos horrores das guerras e das crises existenciais, pensadores como Viktor Frankl trazem reflexões que ainda hoje ressoam com força. Frankl, sobrevivente dos campos de concentração nazistas, escreveu que o sentido da vida não é algo a ser inventado, mas descoberto. Para ele, mesmo nas circunstâncias mais adversas, é possível encontrar um propósito — seja no amor, no trabalho ou na superação do sofrimento. Sua logoterapia parte do princípio de que a principal motivação humana é a busca de sentido, não apenas de prazer ou poder.
Na mesma linha existencialista, Jean-Paul Sartre defendeu a liberdade radical do ser humano e a ideia de que "a existência precede a essência", ou seja, somos lançados no mundo sem um propósito prévio e cabe a nós atribuir significado à nossa trajetória. No entanto, essa liberdade absoluta também traz angústia, pois implica responsabilidade total pelos próprios atos.
Na sociedade contemporânea, onde o consumo e a performance são frequentemente apresentados como caminhos para a realização, muitas pessoas se veem perdidas em meio a metas superficiais, buscando no sucesso profissional, na imagem idealizada nas redes sociais ou no acúmulo de bens um preenchimento que não se sustenta. A filosofia de Zygmunt Bauman ajuda a compreender esse fenômeno ao descrever a modernidade líquida: uma era de relações frágeis, vínculos instáveis e ausência de estruturas sólidas que orientem a vida.
Contudo, há também movimentos contrários que procuram resgatar dimensões mais profundas da existência. O retorno a práticas espirituais, o fortalecimento de comunidades locais, a valorização da saúde mental e o apelo por uma vida mais simples e consciente revelam que, mesmo em meio ao caos, o ser humano continua buscando algo que o transcenda. A pandemia da COVID-19, por exemplo, expôs essa fragilidade e fez muitos repensarem suas prioridades, redescobrindo no convívio humano, na solidariedade e no cuidado mútuo razões para viver.
É importante destacar também o papel da arte, da literatura e da filosofia como caminhos possíveis para encontrar sentido. A arte permite expressar emoções profundas, transcender a realidade imediata e estabelecer conexões com a experiência humana universal. Grandes autores como Dostoievski, Camus, Clarice Lispector e Fernando Pessoa abordaram o tema do sentido da vida em suas obras, revelando, por meio da linguagem simbólica, a complexidade da alma humana diante do mistério da existência.
Além disso, a busca por sentido ganha novas nuances quando inserida em contextos sociais marcados por desigualdade, opressão e invisibilidade. Para muitos, o sentido da vida não é uma questão abstrata, mas uma luta concreta por dignidade, justiça e pertencimento. Movimentos sociais, coletivos culturais e ações comunitárias mostram que o sentido pode ser encontrado na ação coletiva, na transformação do mundo e na defesa do outro. Como dizia Paulo Freire, “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”, e é nessa leitura crítica da realidade que muitos constroem seus propósitos.
Outro fator relevante é o impacto das novas tecnologias nessa busca. As redes sociais, os algoritmos e a inteligência artificial moldam comportamentos e oferecem estímulos constantes, mas também promovem alienação, comparação e superficialidade. Em meio a tantos estímulos, o desafio é cultivar o silêncio interior, a escuta sensível e a reflexão profunda — elementos que são cada vez mais raros, mas fundamentais para encontrar sentido autêntico.
Diante disso, o sentido da vida talvez não seja uma resposta universal e definitiva, mas uma construção contínua, uma escolha que se renova diariamente. Como escreveu Albert Camus, o absurdo nasce do confronto entre o desejo humano por sentido e o silêncio do universo. No entanto, mesmo assim — ou por isso mesmo — seguimos vivendo, amando, criando, lutando. E é nesse movimento que, paradoxalmente, encontramos aquilo que tanto procuramos.
A busca pelo sentido da vida, portanto, permanece como uma jornada íntima e coletiva, filosófica e cotidiana. Uma pergunta sem resposta única, mas que nos impulsiona a sermos mais humanos, mais conscientes e mais inteiros, mesmo em um mundo que insiste em nos fragmentar.
Ronaldo Castilho é jornalista, bacharel em Teologia e Ciência Política, com MBA em Gestão Pública com Ênfase em Cidades Inteligentes e pós-graduação em Jornalismo Digital.